A responsabilidade civil nos casos de inobservância dos deveres conjugais: há o dever de reparação do dano?

É cediço que no ordenamento jurídico brasileiro o casamento se trata de uma relação jurídica originária de deveres pessoais e patrimoniais, que são impostos aos cônjuges por meio da lei. Assim, quando a vida em comum se torna insuportável, há previsão legal para a grave violação dos deveres pessoais, como, por exemplo, no caso da separação e do divórcio. [1] Dessa forma, preceituam os artigos 1.572 e 1.573, ambos do Código Civil que: [2]

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.
§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.
§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.
§ 3º No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.
Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:
I – adultério;
II – tentativa de morte;
III – sevícia ou injúria grave;
IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;
V – condenação por crime infamante;
VI – conduta desonrosa.
Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

Logo, questão bastante pertinente e que suscita discussões no âmbito do direito de família é a da responsabilidade civil no tocante às relações familiares. Isso porque, “o direito de família, além de concentrar uma série de deveres pessoais entre os integrantes, também envolve aspectos patrimoniais”. [3]

Destarte, quando um consorte descumpre o contrato celebrado com o outro ou mesmo quando há violação a um dever geral de conduta no círculo familiar, incide a responsabilidade civil e, portanto, o dano deverá ser reparado ou compensado. [4] Porém, no Brasil não existe norma expressa acerca da responsabilidade civil pelo término do vínculo matrimonial ou de convivência.

Tanto pela análise jurisprudencial quanto pelo ensinamento doutrinário, o entendimento pátrio é de que a violação por si só, dos deveres impostos pelo casamento, não tem capacidade para provocar lesão à honra e, com isso, ensejar reparação na esfera moral do consorte. Ou seja, no caso de violação dos deveres existentes nas relações familiares tanto a doutrina quanto a jurisprudência resistem à possibilidade de indenização. [5]

O entendimento majoritário, em caso de divórcio, por exemplo, é de que a autonomia individual do ser humano deve ser respeitada, sobretudo quando o indivíduo não mais desejar permanecer em um relacionamento, pois ninguém pode ser obrigado a conviver com outrem, não gerando, portanto, o dever de indenizar. Nesta senda, prelecionam Furlan e Paiano: [6]

Sustenta-se que a violação não constitui, por si só, ofensa à honra e à dignidade do consorte, e o princípio da liberdade se sobrepõe ao vínculo de solidariedade familiar. Logo, a infidelidade, a ausência de contato físico sexual, o abandono do lar, a condenação criminal, a conduta desonrosa podem motivar a ruptura da vida em comum, mas descabe falar em obrigação pecuniária. Solução diversa agravaria o conflito normalmente presente na separação e divórcio, fazendo aflorar a cobiça do lesado.

Todavia, muito importante frisar que nos casos de violência contra a mulher, o Superior Tribunal de Justiça já firmou tese (tema nº 983) a fim de facilitar a reparação de danos: [7]

Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.

Portanto, por todo o exposto, infere-se que a mera infração do dever conjugal não é capaz de gerar de forma automática dano passível de indenização. [8] Assim, deve ficar demonstrado de forma muito ampla o abalo moral suportado pelo consorte/vítima da inobservância dos deveres conjugais.

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[1] FURLAN, Alessandra Cristina; PAIANO, Daniela Braga. Responsabilidade civil nas relações conjugais e convivenciais. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 27, p. 37-62, jan./mar. 2021, p. 57.

[2] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm Acesso em: 25 jun. 2023.

[3] FURLAN, Alessandra Cristina; PAIANO, Daniela Braga. Responsabilidade civil nas relações conjugais e convivenciais. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 27, p. 37-62, jan./mar. 2021, p. 42.

[4] Ibid., p. 45.

[5] Ibid., p. 61.

[6] Ibid., p. 57.

[7] FURLAN, Alessandra Cristina; PAIANO, Daniela Braga. Responsabilidade civil nas relações conjugais e convivenciais. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 27, p. 37-62, jan./mar. 2021, p. 47.

[8] MATOS, Ana Carla Harmatiuk; TEIXEIRA, A. C. B.. Responsabilidade Civil e Família. In: Pianovski; Rosenvald. (Org.). Novas Fronteiras da Responsabilidade Civil: Direito Comparado. 1ed.Indaiatuba: foco, 2020, v. 1, p. 147-166, p. 153.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm Acesso em: 25 jun. 2023.

FURLAN, Alessandra Cristina; PAIANO, Daniela Braga. Responsabilidade civil nas relações conjugais e convivenciais. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 27, p. 37-62, jan./mar. 2021.

MATOS, Ana Carla Harmatiuk; TEIXEIRA, A. C. B.. Responsabilidade Civil e Família. In: Pianovski; Rosenvald. (Org.). Novas Fronteiras da Responsabilidade Civil: Direito Comparado. 1ed.Indaiatuba: foco, 2020, v. 1, p. 147-166.

*OBS.: Imagem disponível em: https://es.123rf.com/photo_90392065_c%C3%A9dulas-do-d%C3%B3lar-e-do-euro-com-anel-de-casamento-no-conceito-das-despesas-da-finan%C3%A7a-e-do.html?is_plus=1&origin=1

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